Back in the U.S.S.R.

Fazia frio naquele 7 de agosto de 1942. As tropas alemãs começaram o ataque com força máxima, a expectativa era ótima. A Luftwaffe rasgava o céu ameaçadora e destruidoramente. Levava vidas humanas como se fossem de formigas; era a mais temida das forças. Foi o cartão de visita nazista. Destruindo navios no Rio Volga a cidade não poderia mais ser abastecida fluvialmente. Em seis dias os passarinhos negros alemães afundaram 36 embarcações, entre navios e balsas. Sobre a cidade, mais de 1000 toneladas de bombas eram lançadas, destruindo ruas, fábricas, casas e abrigos. Dizimação total. Por terra, os panzers comandavam. Abrindo caminho para os soldados (geralmente armados com carabinas K98), bastava um estrondo para a morte em massa. Entravam triunfantes pelas ruas de Stalingrado, pareciam desfilar sobre uma passarela de sangue. O silêncio da platéia era sinal de que o desfile ia bem.
Mas não seria fácil para os amigos do Terceiro Reich. Os camaradas russos ‘não estavam para brincadeira’. Perder Stalingrado era uma hipótese impensável. A cidade era um dos principais centros russos. Zona de entroncamentos fluviais e ferroviários, por ali passava grande parte da produção mineral e petrolífera russa. Mas acima da importância econômica, vinha uma questão de honra. Perder a cidade que leva o nome do grande general e mestre Stalin para os alemães? Melhor perder a vida para não ver. E esta é uma das principais causas de tantas mortes na maior e mais sangrenta batalha da história. Civis não podiam deixar a cidade, ordens de cima. O general que não se aproximava do fogo alemão, era o mesmo que atirava nos seus camaradas desertores que tentavam correr mais rápido que as balas alemãs. Soldados então, pior ainda, passavam de heróis da pátria a verdadeiros traidores. Que fossem quinhentos contra um, mas não poderiam fugir do front, pois morreriam do mesmo jeito, só que por fogo amigo.
Quem não estava dentro deste grupo de ‘suicídio’ eram os atiradores de elite. Eram as jóias rara dos russos, o ponto alto do exército. Entre eles havia um destaque: Vasily Grigoryevich Zaitsev. Tinha 28 anos, entrou para a guerra pela 284ª Divisão de Fuzileiros, mas foi logo promovido a atirador de elite. Sua habilidade era imensa. Aprendeu a arte de atirar caçando lobos com seu avó aos 8 anos. Quando a Russia passava por ‘maus bocados’ na guerra, instaurou-se um sentimento de derrota sobre o exército e o povo. A imagem de Vassili serviu como motivação para a nação. Sua foto com seu rifle era estampada nas capas dos jornais: a máquina de matar. Mas não matava qualquer um. Seus alvos eram escolhidos com cuidado, matava apenas militares de alto posto: comandantes, generais e tenentes. Infiltrava-se nas bases alemãs e passava horas ou até dias para atingir seu objetivo. Paciência, frieza, e habilidade. Era o que ele precisava. Tarefa que não admitia erros. Vassili se camuflava, tomava um local estratégico e ali esperava por sua vítima. Não podia ser visto. Ele não respirava. Não estava vivo. Esperava com cuidado a hora de disparar, analisava meticulosamente o rosto da vítima, era até possível dizer se estava com a barba feita ou não. Este rosto nunca mais seria esquecido. Apenas um tiro. Um tiro que, se não for certeiro, revela sua posição e decreta sua morte. Calma...calma... os arredores... o dedo pesado... o vento... a respiração cessa...PUM! Mais uma testa marcada por Vassili.
Mas voltemos àquela fria manhã de 7 de agosto. O mensageiro da morte havia sido enviado para mais uma missão: exterminar o poderoso marechal-do-ar Wolfram Freiherr von Richthofen, comandante da temida Luftwaffe. Saiu do abrigo quando ainda era noite. O abrigo era subterrâneo, uma espécie de base militar. Tinha a saída para a fábrica de tratores, que já estava em destroços. Nele estava hospedada uma grande parte do contingente russo em Stalingrado. Havia quatro iguais a este pela cidade. Vassili saiu do abrigo com seu rifle em mãos, sozinho. Essa cena já era tanto habitual quanto promissora. Quando Vassili saía do abrigo para mais um ‘objetivo’, os demais soldados sabiam que teriam mais um oficial inimigo morto, e a vitória estaria mais próxima. Saiu pela fábrica de tratotes, não tinha pressa, estava com tempo. Saía sempre antes do tempo previsto, gostava de trabalhar com calma. Varreu a fábrica com os olhos e viu o de sempre: destruição. Stalingrado mais parecia uma cidade abandonada, daquelas de filmes de terror. Quando não havia combate nada se via e nada se ouvia. Todas as ruas desertas. O vento soprando gelado. Nem o sol aparecia. A base onde deveria estar o marechal-do-ar ficava a 3 quilômetros dali. A missão de Vassili além de exterminar Wolfram era também evitar mais um ataque da força aérea alemã, o que seria consequência da morte de seu comandante. Os ataques aéreos aconteciam geralmente pela tade, entre 13 e 16 horas. Era o horário em que o serviço já deveria estar completo. Eram 4 horas, Vassili atravessou a fábrica de tratores por túneis que nela existem. Não é seguro passar por qualquer local aberto na cidade, pois nunca se sabe onde podem estar franco atiradores. Vassili sabia bem disso. Seguiu pelos túneis da fábrica até os fundos, onde havia uma saída mais sigilosa. Precisava atravessar uma estreita rua até chegar ao prédio ao lado. Olhou ao redor, não viu ninguém. Usou sua arma para procurar por franco atiradores em locais estrtégicos. Nada. Então, correu para atravessar a estreita rua. Sem problemas.
Vassili foi seguindo deste modo, sempre com muita cautela, até chegar o mais próximo possível da base alemã. Estava quase lá, eram 5 horas, o sol não havia nascido ainda e Vassili não viu ninguém desde que saiu do abrigo. Estava no último prédio destruído que lhe serviria abrigo, a 900 metros da base inimiga. Era um local afastado do centro da cidade. A base ficava atrás de uma colina. O terreno: arbustros de meia altura. Era perfeito, permitia uma aproximação sem ser percebido. Vassili estava vestido com uma camuflagem previamente elaborada. Uma roupa que lhe ia desde a cabeça até os pés. De fora apenas o rosto (sujo de barro), e mesmo que seus dentes não fossem tão brancos, não podia sorrir. A roupa era feita de retalhos de pano, em variados tons de verde que se uniam as folhagens como se fossem um só. O rifle também, com o mesmo tecido o cobrindo, nem parecia algo que pudesse matar. Estava pronto para sair de seu último abrigo feito de paredes. Foi. Se misturou aos arbustos lentamente. A colina onde pretendia se posicionar estava a cerca de 300 metros dali. 300 longos metros. Sem abrigo nenhum, Vassili deveria percorrer esta distância misturado as folhagens, sem dar nenhuma chance ao inimigo de ser percebido. E ele sabia bem disso. ‘Quem bem caça, bem sabe como não ser caçado’, era o que ele dizia.
Usando os cotovelos como apoio, Vasily foi rastejando lentamente. Chegava a encostar até o rosto no chão, tudo para não ser percebido. Fazia breve paradas de, a grosso modo, 20 segundos para descansar e para prestar atenção nos ruídos a sua volta. Seguiu desta maneira, sempre com muita concentração, até alcançar o local desejado. Em 30 minutos percorreu esses 300 metros. Estava lá. Era o topo da colina (embora não fosse muito alto).
Já em sua posição, mais uma breve pausa para o descanço. Muito cansativa era a arte da camuflagem. Seus cotovelos ardiam. Mas isto não o desconcentrava de seu objetivo: Wolfram von Richthofen. Em posição. Deitado entre os arbustos. Barriga encostando-se ao chão. A base estava lá. Não era um enorme complexo militar, pois os alemães não estavam ali há muito tempo, mas tinha seu valor estratégico. Era formada basicamente por quatro galpões onde ficavam os aviões, e outro galpão que servia de dormitório para pilotos, funcionários e outros. E havia ainda outra pequena construção que servia de dormitório para os altos oficiais e de sala de reunião. Ali eram tomadas as principais decisões de como seriam feitos os ataques da Luftwaffe. Sobre uma grande mesa estava um mapa de Stalingrado, já todo marcado com rotas aéreas, com alvos já destruídos e com alvos potenciais para receber novas levas de bombas. Era nesta pequena construção que Vasily pretendia acertar o marechal alemão. Já havia achado a posição mais confortável. Rifle devidamente apoiado. Eram 600 metros de distância. Mirava em uma janela que não era muito grande. Através dela era possível ver uma parede branca, um quadro e um pedaço da mesa de reuniões. Estava tudo pronto, eram 7 horas e o sol começava a dar sinais de que iria aparecer para mais um dia de muitas mortes.
A movimentação na base começava a se intensificar. Vasily observava tudo atentamente e com certo desprezo. Via circular pela pista e pelos galpões dezenas de soldados alemães. Vestindo seus uniformes cinzas, caminhavam como formigas para lá e para cá. Sua vontade era matar alguns deles (e ele podia fazer isso), mas não era seu objetivo. Os Heinkel He 111 K estavam sendo preparados para mais um ataque que aconteceria dentro de horas. Vasily sabia disso, eram 7 e meia, os ataques geralmente começavam por volta das 13h.
8 horas e nada de Richthofen. Na janela do pequeno alojamento central Vasily já observava alguns oficiais conversando. Não sabia quem eram, mas por suas roupas e medalhas eram oficiais de alto posto. 8 e meia, 9horas... Nada. Vasily começava a ficar nervoso. Não por ter que esperar (um sniper nunca se incomoda com isso), mas preocupado com os ataques que aconteceriam logo mais. Com certeza perderia mais aliados e irmãos nestes ataques. Mas se sua missão fosse cumprida certamente não haveria ataques (aéreos, é claro), pelo menos por um dia.
Até que enfim. Eram 9 e meia quando Vasily avistou Richthofen pela janela. Parecia a recém estar acordando. ‘Não é de se espantar, enquanto seus soldados trabalham, ele está dormindo, maldito’. Copo de café na mão, conversava com os outros oficias. Soltava alguns sorrisos, parecia contente. Estavamos em agosto de 1942, a Alemanha estava no início de sua ofensiva sobre Stalingrado, era vitoriosa até ali. Mas a hora era essa. O marechal estava parado na janela conversando. Estava de lado para Vasily. Não havia motivo para esperar. Vasily mirou na janela. Estava com sorte (embora não precisasse), não havia vento. Muita calma, não podia errar o tiro. Mirou com extrema precisão, na altura da orelha. Segurou a respiração. 1...2...3... Marechal do ar Wolfram von Richthofen: falecido em 7 de agosto de 1942. Era o que seria escrito em sua lápide dias depois. Tiro certeiro. O marechal caiu na hora. Os outros oficiais que estavam com ele se atiraram no chão. Vasily até riu. Instaurou-se um grande tumulto na base. Soldados correndo para tudo quanto é lado. Um dos oficiais que estavam no escritório logo mandou soldados saírem em busca de um atirador nas redondezas. Inútil. Vasily estava a 600m dali, invisível como o ar. E já estava de partida.
A morte do marechal não impediu que os ataques da Luftwaffe continuassem nos dias seguintes, mas com certeza abalou fortemente as estratégias nazistas, instaurando um pânico psicológico nos grandes oficiais, que tinham consciência de que poderiam perder suas valiosas vidas arianas por conta de um impuro qualquer que não podia ser visto. Vasily Grigoryevich Zaitsev é reconhecido como herói nacional e hoje possui uma estátua em Volgogrado (atual nome de Stalingrado). Matou um total de 242 alemães durante toda a guerra, ajudando a União Soviética a vencer a mais violenta batalha que o mundo já viu, e que marcaria o início da decadência alemã na Segunda Guerra.

3 comentários:

Draco disse...

Coisa linda, que talento, quanto amor contido nesse coraçãozinho astuto. X_NG_

Biia. disse...

Realmente, só deu pra perceber que era tu quando li "a grosso modo" AISOUEHAOSIEUHASIU
Muito bem escrito, prende a leitura, a gente fica se roendo querendo saber se o atirador vai se dar bem ou não.

Cauê disse...

Poh Bia, vindo de ti eu fico até emocionado :' (

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